
O plantão estava no turno da tarde, quando uma colega bateu à porta da sala da psiquiatra Maria Elisa Barros, diretora da Associação Psiquiátrica da Bahia, no centro de atenção psicossocial (Caps) de Guanambi, no sudoeste da Bahia. A médica pediu que entrasse. “Ela tinha ido me contar que um paciente tinha morrido por suicídio”, lembra Elisa, quase um ano depois. Semanas antes, o paciente, um homem com 50 anos, agricultor, desabafou. Sentia-se fraco e, na única realidade conhecida, a rural, era “uma fraqueza que homem não poderia ter”, como relatou.
Nos interiores, principalmente os menores, há ainda uma questão de privacidade envolvida – o temor de se tornar motivo de assunto nas calçadas, por exemplo, pode desestimular a busca por tratamento. “Isso mostra o quanto existe falta de informação, de acesso. Informação salva vida e é importante conscientizar as pessoas que suicídio é prevenível. Podemos salvar várias vidas se o estigma for rompido”, opina a médica, também membro da Comissão de Emergências Psiquiátricas da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).
Nos anos 80, a economia local foi projetada pelo plantio de algodão. Hoje, com 86,8 mil habitantes, é considerada polo comercial. Ao menos 82% da população está desempregada e 44% ganha até R$ 522, mostra o IBGE. A saúde mental nem sempre é discutida.
Dos três psiquiatras que trabalham na cidade, como Maria Elisa, dois atuam na rede pública. A fila para conseguir atendimento, nos dois Caps e um ambulatório de saúde mental, chega a seis meses. Em fevereiro, numa só semana, a população acordou com a notícia de que duas pessoas morreram por suicídio – uma delas era apenas uma menina, tinha 14 anos; a outra, 52. Dois futuros apagados.
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Ano passado, Guanambi teve caminhada de prevenção ao suicídio (Foto: Acervo Pessoal/Maria Elisa Passos) |
A diretora de Saúde Mental do município, Jaqueline Castro, classifica o índice como “alto” e que “trabalham para diminuí-lo”. A Sesab calcula, em 2020, 369 suicídios. O número por município não foi informado. Em 2019, foram 629 mortes por autolesão intencional no estado. Nos últimos 10 anos, foram 5.110 mortes pela mesma razão na Bahia – 4.446 delas no interior. Há dois anos, estudantes da área de saúde criaram, em Guanambi, um grupo de pesquisa para estudar a temática, pondo na balança aspectos sociais e culturais.
A literatura registra a ligação do social com a saúde mental mesmo fora da alçada médica. O professor de Economia da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Rodrigo Oliveira, especialista em avaliação de políticas públicas, aponta que qualquer entrave à qualidade de vida pode levar ao aparecimento de problemas de saúde mental.
Em 2019, o IBGE mostrou que 66,4% da população dos interiores baianos estava desempregada – em Salvador, eram 20,7%. A informalidade, por outro lado, era a realidade de 57,4% dos habitantes do interior.
Precisa de ajuda? Telefones úteis que atendem 24 horas.
– 188 (Centro de Valorização da Vida);
– 190 (Ligação de Emergência);
– 192 (Samu);
– (71) 3103-4300 (Núcleo de Estudo e Prevenção do Suicídio (Neps).
Fonte: Correio 24h